📸 Muito mais indígenas no retrato
O IBGE divulgou a existência de 1.693.535 indígenas no Brasil, número 89% superior ao registrado no Censo 2010. Parte desse aumento está diretamente ligado à nova metodologia adotada. Desde 1991, quando os povos originários foram incluídos no recenseamento, o critério utilizado era o da autodeclaração. Dessa forma, havia, por exemplo, pessoas com ascendência indígena que, ao serem indagadas sobre sua “cor ou raça”, se declaravam pardas. Já no Censo 2022, a pergunta "você se considera indígena?", antes direcionada somente a quem residia em terras delimitadas, passou a ser também empregada em áreas com presença indígena. Para aprimorar a metodologia, foi fundamental a participação das lideranças dos povos originários, além de parcerias com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e com a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai).
Para ler a reportagem em que o IBGE detalha motivos que ajudam a explicar o aumento registrado, basta clicar aqui.
O pesquisador Tiago Moreira, do ISA (Instituto Socioambiental), que inclusive auxiliou o órgão na formulação da metodologia, salienta que para entender o aumento com maior profundidade torna-se necessário também analisar os dados sobre natalidade e mortalidade indígena que serão divulgados posteriormente.
Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, reflete sobre o tema e acrescenta o resgate da identidade dos povos originários como importante fator:
Nessa mesma direção, o antropólogo Paulo José Brando Santilli, professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp (câmpus Araraquara), pontua:
Houve uma grande melhora em relação ao censo anterior, que foi bem mais limitado, tanto no campo da atuação dos técnicos como também no mapeamento e na participação dessa população nas atividades. Então, por um lado os recenseadores se estenderam para áreas indígenas mais remotas em relação aos centros de demografia do país. E houve a mudança de metodologia, pois antes não havia a pergunta direta sobre quem se considera pertencente a esse grupo. Essa pergunta agora foi estendida a áreas urbanas. Então, grande parte desse crescimento se deve ao cômputo da população indígena em áreas urbanas ou mesmo rurais, mas situadas fora das terras indígenas, que o Censo soube captar. Isso explica porque mais da metade da população indígena vive fora das terras indígenas formalmente reconhecidas e regularizadas pelo Estado.
Outro fator importante é o processo de valorização e reconhecimento da ancestralidade indígena. Durante um longo período houve uma ênfase muito grande no reconhecimento da ascendência europeia e branca por parte dos cidadãos brasileiros. É comum que saibamos quem foi o nosso avô bisavô, quem veio de Portugal, da Espanha, da Itália ou do Japão. E quando essa ascendência se refere a populações afro-brasileiras ou indígenas, ficava algo meio indeterminado, não personalizado. Essa ascendência não europeia muitas vezes estava ligada a dificuldades, como discriminação ou racismo. Hoje a identidade indígena pode servir como título de acesso a fatores como terra e serviços específicos de educação e saúde. Essa valorização também se reflete em mudanças no processo de identificação. Para além da mudança de metodologia, um número maior de brasileiros passa a se reconhecer partilhando identidades com povos indígenas (Fonte: Jornal da Unesp)
O número de quase 1,7 milhão de indígenas corresponde à 0,8% da população total do território brasileiro. E onde eles estão concentrados?
Conforme é possível visualizar a partir do mapa e infográfico abaixo, 45% dos indígenas estão localizados a região Norte. Na sequência vem o Nordeste com 31% desta população.
Ao analisar as imagens acima, é fundamental incluir a questão fundiária. O antropólogo Spensy Pimentel, professor Universidade Federal do Sul da Bahia, ressalta esse ponto ao chamar atenção para as desigualdades relativas à distribuição das terras:
“É preciso, ainda, que entendamos que persistem desigualdades muito grandes no que tange ao acesso aos direitos por parte dessas populações. Enquanto na Amazônia estão disponíveis mais de 98% das terras indígenas do país, no restante do país, onde está quase metade da população indígena total, essas comunidades contam com somente 1,5% das terras e vivem, muitas vezes, em áreas urbanas ou reservas superlotadas. Há um déficit na demarcação das terras de povos como os guarani, os terena, ou os pataxó que precisa ser resolvido urgentemente” (Agência Brasil)
Tal distribuição desigual aparece registrada em mapa elaborado pelo GEACT. Para visualizar melhor, basta clicar na imagem:
Para explorar essas e outras questões, selecionamos reportagens que abordam os resultados do Censo 2022 e nos ajudam a interpretar o retrato do Brasil Indígena:
Censo mostra desigualdade na distribuição de terras indígenas
Entrevista em que o professor Paulo José Brando Santilli fala sobre povos originários que vivem fora das terras indígenas e reflete. sobre questão fundiária e desafios atuais
Amazonas e Bahia são estados com mais indígenas; veja ranking
Maior terra indígena do Brasil, Yanomami contabiliza 27.152 pessoas
Apesar de nítida concentração nas regiões Norte e Nordeste, verifica-se que os indígenas estão em todos estados, sendo que das 5.570 cidades brasileiras, em 4.832 delas há registro da presença:
Fonte: IBGE
E onde você mora? Quanto são as pessoas indígenas? Para consultar, só clicar aqui.
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Estão abertas as inscrições para a edição 2023 do curso on-line "Cultura e Mobilizações Indígenas na sala de aula" (40h), desenvolvido pelo IF Sudeste MG (Campus Juiz de Fora), em parceria com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI Regional Leste) e com a Aruanã - Associação para recursos ambientais e artísticos. Mais informações podem ser encontradas aqui. A data limite para as inscrições é 26 de agosto.
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Outras edições em que trouxemos informações sobre o Censo e ou sobre os povos indígenas:
Para finalizar, destacamos trecho da entrevista1 que o pensador e ativista indígena Ailton Krenak concedeu para o livro "Povos Indígenas no Brasil 2017-2022:
A gente sabe falar da monocultura da soja, né? Mas se somar a monocultura da soja, do eucalipto, da cana etc., você vai ver que o solo brasileiro está todo sendo vendido a preço de banana. Estão exportando água e solo. Mas a terra cansa. Vai chegar uma hora que aquela terra não vai responder mais; você pode enchê-la com todo tipo de veneno, mas ela não vai mais responder. Ela será uma terra morta.
Aquela poeira fedorenta e feia que se ergueu em São Paulo no começo do ano [2022], uma poeira preta, é só uma amostra grátis do que pode acontecer. Temos uma devastação do Cerrado e, quando ele tiver cansado de responder ao agronegócio, à monocultura, ele vai levantar uma poeira que cobrirá o Sudeste outra vez.
Isso parece filme de terror, mas é uma previsão a partir da hipótese de não se diminuir o aquecimento global. E se não mudarmos a forma como tratamos a terra, a porrada vai ser maior. É como aquela música que diz: “A vaca mansa dá leite, a braba dá quando quer”. Só tem uma diferença: a terra não é uma vaca leiteira. A terra cansa (Ailton Krenak, setembro, 2022).
Até a próxima! Obrigado por nos acompanhar até aqui : )
Créditos:
Pesquisa, desenvolvimento e redação: Gabriel Merigui e Higor Mozart
Coordenação: Higor Mozart
Financiamento: Programa Institucional de Apoio à Extensão (PIAEX) do Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais (Edital 02/2023)
*As indicações de materiais não significam, necessariamente, endosso, mas sim sugestões que consideramos válidas para o debate. O conteúdo dos artigos, reportagens, vídeos, podcasts e demais mídias veiculadas é de inteira responsabilidade de seus autores e autoras.
Entrevista com Ailton Krenak realizada em 19 de setembro de 2002, por Tainá Aragão, jornalista do Instituto Socioambiental (ISA), para o livro Povos Indígenas no Brasil 2017-2022. Publicado por Instituto Socioambiental - ISA, 12.mai.2023. Link da publicação original: <https://www.socioambiental.org/noticias-socioambientais/ailton-krenak-terra-cansa>. Acesso em: 07.ago.2023.