É hora de rever os planos
Você é filho de professora de Geografia e é músico. Por que não dedicar parte de sua arte-ofício para reforçar uma lição ensinada por sua mãe? Ok, parece inusitado. Mas estamos desconfiados de que esse foi o caso de Humberto Gessinger1. Uma pista que comprova tal “tese” está escancarada num trecho da música “Além da Máscara2”. Espia só:
Agora que a Terra é redonda
E o centro do universo
É outro lugarÉ hora de rever os planos
O mundo não é plano
Não para de girar(Pouca Vogal / Composição: Humberto Gessinger).
Essa letra, além de dar forças pra nossa “irrefutável” teoria3, nos lembra que recentemente o IBGE lançou uma edição do mapa-múndi com o Brasil bem no “meio” de nosso pálido ponto azul.
A polêmica contribuiu para colocar a cartografia no centro do debate.
Hey mãe, nós temos um novo mapa-mundi. Fonte da imagem: IBGE
Por isso mesmo, hoje, em continuidade à edição anterior, destacamos situações que entrelaçam representação espacial e poder.
Argentina e Reino Unido
Para começar, seguimos pelo novo mapa-múndi do IBGE, no qual as Ilhas Malvinas e as Ilhas Geórgia do Sul e Sandwich do Sul estão cartografadas como territórios da Argentina; o que remonta histórica disputa entre o governo argentino e o britânico.
Fonte: IBGE
Venezuela e Guiana
Ainda na região, merecem realce as tensões que envolvem Essequibo – território guianense com abundantes reservas de petróleo – reivindicado pela Venezuela (ver mapa aqui).
O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, apresentou no final de 2023 um mapa no qual Essequibo é representado como território de seu país. Na ocasião, o mandatário determinou a veiculação do novo mapa em escolas e universidades.
O novo mapa da China
Com certa regularidade, o governo chinês realiza atualizações cartográficas sob a alegação de corrigir “mapas problemáticos”. A nova atualização, publicada em 2023, incorporou algumas áreas em disputa – nas fronteiras com a Índia, Rússia e no Mar do Sul da China –, o que gerou grande insatisfação dos países vizinhos. Vale muito a pena compreender o caso a partir do texto de Carmem Rodrigues.
Filme ‘Barbie’ proibido no Vietnã
Informação 1: Em seus mapas, o governo chinês utiliza uma linha de nove traços para representar sua reivindicação territorial no Mar do Sul da China (ver mapa aqui).
Informação 2: No filme da Barbie, há uma cena com um mapa com linhas tracejadas.
Resultado: Ao utilizar como argumento tal cena, o governo vietnamita – que é contrário à reivindicação chinesa – determinou a proibição da exibição de Barbie.
Cena do filme Barbie (Warner Bross/2023)
Proibições justificadas por motivos semelhantes também foram impostas aos filmes “Abominável” e "Uncharted: Fora do Mapa". Leia mais sobre o assunto aqui e aqui.
Caso queira, leia também: O que é o Mar do Sul da China?
Os silêncios sobre a África na cartografia moderna
“O quebra-cabeças africano: como um embaixador português, um geógrafo francês, um escritor inglês e um pirata imaginário transformaram a cartografia da África e abriram as portas para o imperialismo”. Com esse título, Júnia Furtado publicou livro no qual ressalta a força da cartografia na produção de imaginários.
Piauí e Ceará
Um deputado estadual do Piauí apresentou um requerimento para solicitar que o presidente do IBGE realize uma alteração nos mapas que envolvem uma área de litígio territorial (com mais ou menos 2.889 quilômetros quadrados) entre Ceará e Piauí. Essa briga é longeva, conforme você pode ler aqui.
Paraná e Santa Catarina
Outra disputa semelhante envolve Paraná e Santa Carina em função de um erro de 100 anos. A revisão oficial da divisa entre os estados foi motivada após um paranaense realizar medição por conta própria. Para ver esse imbróglio, só clicar aqui.
Um mundo de disputas
Nos links abaixo, deixamos indicados textos sobre algumas das outras tantas disputas existentes:
Mapas inéditos indicam que ditadura mascarou dados ao retirar indígenas em Itaipu
Mulheres indígenas tiveram protagonismo nos mapas do Brasil colonial
Mapas mostram disputas territoriais ativas nos países da América Latina — inclusive no Brasil
Rússia e Ucrânia: visualizações da guerra pela cartografia jornalística
Fronteiras terrestres da Espanha: os enclaves e as disputas geopolíticas
Agora que a Terra é redonda…
Se o mapa do IBGE com o Brasil no “centro” do mundo já gerou polêmica, imagine se a representação fosse feita aos moldes do trabalho de Torres Garcia?
Fonte: Torres Garcia
Se desejar se informar mais sobre o mapa acima e acessar mais materiais sobre cartografia, separamos os links a seguir:
Ativismos Cartográficos: Notas sobre formas e usos da representação espacial e jogos de poder
Cartografia social e dinâmicas territoriais: marcos para o debate
Pode o subalterno mapear e incidir no planejamento regional?
A Geografia - Isso serve, em primeiro lugar, para fazer a Guerra
Fonte: Quino
O mundo não é plano…não para de girar
Já que começamos com uma letra que alude o formato da Terra, terminamos com esse mesmo tema:
Variações sobre um mesmo tema
A edição de hoje, na verdade, começa na publicação passada. Para ler, você já sabe, é só clicar na imagem abaixo:
Obrigado por dedicar um pouco de seu tempo para acompanhar nosso projeto!
Até a próxima! : )
Créditos:
Pesquisa e desenvolvimento: Higor Mozart e Gabriel Arquette | Financiamento: Programa Institucional de Apoio à Extensão (PIAEX) do Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais (Edital 02/2024) | Coordenação: Higor Mozart
Compositor, cantor, multi-instrumentista, escritor e um dos fundadores da banda Engenheiros do Hawaii. Além disso, criou, junto com Duca Leindecker, o duo Pouca Vogal. Hoje, em carreira solo.
Canção do duo Pouca Vogal.
No início dessa edição começamos falando de uma tese “irrefutável”. A gente até poderia adicionar outros elementos para sustentá-la. Poderíamos dizer que o álbum mais recente de Humberto Gessinger foi batizado de “Os quatro cantos de um mundo redondo”. Poderíamos mencionar que nesse disco há uma música que fala sobre delta e rios ou citar a canção que discorre sobre a “vaga semelhança” entre o “mapa e a cidade”. Outro caminho seria sublinhar letras que trazem expressões como “pangeia”, “falha de San Andreas”, “obsolescência programada”, etc. Mas aí, agora sim, você diria que estamos forçando a barra.