Cinzas, verdes e mapa em chamas
Oi, pedimos, por favor, que observe a imagem abaixo:
Foto: Raphael Sebba
Trata-se de duas áreas de Brasília, distantes 38 km, dispostas lado a lado: o Sol Nascente (maior favela brasileira) e o Lago Sul (região tão “nobre” que caso fosse um município seria o mais rico do país).
A diferença que você visualizou tem uma explicação: no período de outubro de 2022 a fevereiro do atual ano, 1,5 mil árvores foram plantadas no Lago Sul, enquanto no Sol Nascente não houve uma sequer. Na análise de especialistas, tal disparidade evidencia a “falta de políticas públicas e escancara o 'racismo ambiental'”.
Ventilador sem tampa
Na matéria “Teto que esquenta na favela, árvore e ar-condicionado no bairro rico”, Maria do Carmo da Silva, mais conhecida como Rosinha, moradora do Jardim Colombo - localizado no complexo de Paraisópolis, Zona Oeste de São Paulo - relata muita dificuldade para dormir à noite por conta do calor. Como estratégia em busca de amenizar o desconformo, ela recorre à bacia com água e dois ventiladores no quarto, sendo um sem a grade de proteção.
Na região central da cidade, por conta de sua “floresta de concreto e aço” geralmente há muita retenção calor, mas há algumas áreas nobres mais arborizadas e com arquitetura propícia a um melhor conforto térmico. Exemplo disso é que na quinta-feira, 21 de setembro, a temperatura em Jardim Colombo (onde Rosinha mora) era de 31,9ºC, enquanto em Higienópolis (zona rica de São Paulo) registava-se dois graus a menos.
Olga González, moradora de Higienópolis, aproveita que sua casa fica próxima ao Parque Buenos Aires para se refrescar ao menos um par de vezes ao dia:
“Está realmente muito calor, mas dá para aguentar. Felizmente, o prédio é bem arborizado e meu apartamento bastante arejado”, diz a espanhola, que mora no Brasil desde os 13 anos de idade (BBC).
Para ampliar as reflexões, além da matéria citada, recomendamos a leitura dos seguintes materiais:
SP tem estratégia insuficiente para proteger moradores de rua do calor, dizem pesquisadora
Pessoas em situação de rua são vulneráveis aos extremos climáticos
Aqui não vejo nenhum clube poliesportivo
Na música Fim de Semana no Parque, o grupo Racionais MC's lança reflexões sobre o lazer na periferia:
A número número 1 de baixa renda da cidade
Comunidade zona sul é dignidade
Tem um corpo no escadão a tiazinha desce o morro
Polícia a morte, polícia socorro
Aqui não vejo nenhum clube poliesportivo
Pra molecada frequentar nenhum incentivo
O investimento no lazer é muito escasso
O centro comunitário é um fracasso
Já em Homem na Estrada, eles mandam estes versos:
Amanhece mais um dia e tudo é exatamente igual
Calor insuportável, 28 graus
Faltou água, já é rotina, monotonia
Não tem prazo pra voltar, há!
Já fazem cinco dias
Com estes dois trechos, nosso objetivo é chamar atenção para o calor excessivo e “a desigualdade do acesso ao lazer”. Para piorar, há relatos de cidades brasileiras nas quais os moradores ficaram sem água e energia durante parte da onda de calor de setembro.
O racismo ambiental, sabemos, se manifesta de diversas formas. Uma delas é justamente a falta de água. Mas podemos citar também a ausência de saneamento básico, a poluição do ar mais elevada em regiões pobres e a presença de aterros sanitários/lixões nas imediações de moradias de pessoas marginalizadas (Fio Cruz).
Xakriabá
Outro exemplo dilacerante relacionado à agua pode ser lido na reportagem Xakriabá - A sede de um povo. Dela, separamos a passagem abaixo:
“Por gerações, seus descendentes cresceram nas barrancas de um rio caudaloso – a que os brancos chamariam depois São Francisco – onde aprimoraram a habilidade que batizou sua gente: xakriabás, ou os “bons de remo”. Hoje, mais de três séculos depois do primeiro contato com os colonizadores no Norte de Minas, integrantes da etnia se vêm apartados da abundância hídrica, arrancados de suas raízes, lutando para sobreviver e para reaver um pouco de seus domínios e cultura. Os antigos canoeiros hoje remam na aridez, sofrem com a falta d’água na região que lhes foi destinada a custo e padecem para preservar suas terras e tradições” (Estado de Minas Gerais)
Um calor insuportável (e cada vez mais frequente)
Seguindo na questão climática, mais notícias relacionadas:
'Primaverão': animação mostra aumento da temperatura em todo o Brasil em meio à onda de calor
Contraste térmico e El Niño: especialistas explicam sequência de 9 ciclones no RS em 3 meses
Entenda como se forma o domo quente, responsável pela onda de calor no país nesta semana
Por que o calor extremo está cada vez mais frequente?
Efeito das ilhas de calor urbano esquenta até cidades de médio e pequeno porte
Estudo simula atmosfera de 2100 para entender impacto do clima na produção de alimentos
O fracasso do capitalismo verde diante das mudanças climáticas
Indígenas da Amazônia pedem que governo declare emergência climática em meio à seca grave
O calor extremo no Brasil:
Você poderá se interessar por três edições em que abordamos questões relacionadas:
Veja também nosso último número sobre a Amazônia:
Lado a lado
A imagem visualizada nesta edição, envolvendo a favela Sol Nascente e a região Lago Sul, apresenta a junção de duas áreas separadas por 38 km. Em outra edição aqui do Notícias do Espaço, a segregação é captada sem necessidade de realce obtido por manipulação digital. Os espaços retratados estão lado a lado. Se quiser, reveja essa história aqui:
A temática da segregação já apareceu também na edição abaixo:
Contradições de uma Cidade Nova
Como no número de hoje trouxemos uma foto de Brasília, indicamos o curta metragem documental Brasília: Contradições de uma Cidade Nova (1967), no qual o diretor Joaquim Pedro de Andrade antecipa estudos no campo da sociologia e do urbanismo vinculados à segregação espacial das pessoas negras no Brasil. No vídeo, é possível verificar como a utopia da nova capital do país escancara contradições arraigadas no Brasil, à exemplo das cidades-satélites que se contraponham ao projeto da cidade idealizada.
Vale ver também conteúdos afins que apareceram na newsletter Saravá:
Obrigado pela atenção!
Créditos:
Pesquisa, desenvolvimento e redação: Gabriel Merigui e Higor Mozart
Coordenação: Higor Mozart
Financiamento: Programa Institucional de Apoio à Extensão (PIAEX) do Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais (Edital 02/2023)
*As indicações de materiais não significam, necessariamente, endosso, mas sim sugestões que consideramos válidas para o debate. Os conteúdos dos artigos, reportagens, vídeos, podcasts e demais mídias veiculadas é de inteira responsabilidade de seus autores e autoras.
Versão web: noticiasdoespaco.substack.com