Nos campos de terra e grama
Na edição de hoje, dia de estreia da Seleção Brasileira na Copa do Mundo, tivemos a alegria de receber as contribuições do professor Ciro de Sousa Vale, do Núcleo de Geografia do IF Sudeste MG (Campus Juiz de Fora), que nos conta sobre projetos muito especiais que estabelecem uma tabelinha entre Geografia e Futebol.
Agradecemos imensamente ao professor e tocamos logo a bola pra ele, o craque da camisa 10.
Caros leitores e leitoras, tudo bem? Espero que estejam ótimos!
Primeiramente, gostaria de agradecer ao querido Higor Mozart, professor de Geografia do Campus Muriaé e coordenador do projeto de extensão “Notícias do Espaço”, que nos concedeu a honra de falar um pouco do projeto de extensão que desenvolvemos, em Juiz de Fora (MG), no período 2021/2022, sobre a história de um dos maiores clubes do cenário local e regional: o Tupi Foot Ball Club. Esse projeto visou à produção de dois materiais - um documentário que discorreu sobre importantes momentos do clube e uma HQ que nos propiciou contar uma importante façanha do Tupi na década de 1960, a partir da qual o “Carijó” ganhou o epíteto de “Fantasma do Mineirão”.
Esse projeto de extensão nos trouxe muito orgulho. Produzido na pandemia, contou com a participação efetiva de bolsistas de vários cursos integrados do Câmpus JF, que não mediram esforços para que o trabalho se concretizasse. Fomos testemunhas das habilidades múltiplas de vários discentes que as colocaram em prática na elaboração dos produtos didáticos. Outro aspecto que merece ser destacado foi a oportunidade ímpar de trabalhar com o núcleo de Línguas, haja vista o papel destacado da docente Patrícia Botelho na condução da elaboração da HQ. Descobrimos roteiristas natos (desde o professor Emerson Muniz, do núcleo de Geografia, até bolsistas que trabalharam nas funções de desenhistas, arte-finalistas, entrevistadores, produtores de site, dentre outras). Além disso, tivemos na condução deste trabalho a participação imprescindível de nosso colaborador externo, o professor Leonardo Lima (conhecido como Léo Lima), que contou como ninguém a história do Tupi à nossa equipe. Certamente, não teríamos pessoa melhor como colaborador externo. Léo possui em sua casa o maior e mais completo acervo sobre o clube e além disso, viu o seu pai Eurico protagonizar, junto com outros jogadores, um dos feitos mais gloriosos do clube: o “Fantasma do Mineirão”. Impossível não destacar também a contribuição de vários voluntários que tivemos no projeto, além da imensa e necessária ajuda de discentes da UFJF, que “colocaram o time em campo” e trabalharam na edição dos episódios, etapa importantíssima do projeto.
Mas e aí, o que a Geografia tem a ver com esse trabalho? Diria a vocês que muita coisa. Antes vale uma retificação. Eu, que sempre tratava este projeto como uma forma de resgatar certa memória e de “dar voz” a determinados atores sociais, recentemente fui levado a refletir sobre o uso de tais termos. Primeiro, porque a palavra mais correta deveria ser valorizar e não resgatar, afinal não se apaga o feito, pois já está posto. Quanto ao dar voz, essa expressão vem travestida de uma ideia de poder, como se eu tivesse a autoridade de dar ou não voz a alguém ou a algum grupo. Agradeço muito por mais esse ensinamento. Sempre há tempo de aprender coisas novas.
Mas, voltemos ao projeto. Jogando luz na história do Tupi, teremos conseguido despertar o sentimento de topofilia, destacado pelo geógrafo Yu Fu Tuan? Creio que sim, por mais que o cenário não seja favorável. Fato é que o clube ainda continua cheio de dívidas, oriundas de sucessivas e incontáveis más administrações e que, neste ano de 2022, o Tupi continuou na segunda divisão do campeonato mineiro, sendo desclassificado nas fases iniciais. Entretanto, como esse projeto nos fez crescer, me fez crescer! Quantas pessoas tive o prazer de conhecer: ex-jogadores do Tupi, Sport e Tupynambás, professores que se debruçaram comigo a estudar a história do clube, bolsistas do projeto, jornalistas que cobriram a história do “Galo Carijó”, torcedores, funcionários e ex-dirigentes do time, o compositor da primorosa Marcha do Tupi e os veteranos do Tupi, que há mais de 30 anos ainda mantêm a tradição de jogar todos os sábados no estádio Salles Oliveira.
Outro aspecto que buscamos trabalhar com nossos bolsistas e com a comunidade juizforana através do documentário é o processo de produção espacial a partir do sistema capitalista, que deixa o acesso ao espaço de forma cada vez mais desigual e de forma a atender às necessidades impostas pelo capital. O documentário nos permitiu isto: demonstrar que a desvalorização de determinados espaços se dá de forma pensada para que mais adiante o mercado possa deles se apropriar com o aval do poder público. No caso do Tupi, as permutas dos campos do Tupi e do Tupyambás mostraram a força do mercado imobiliário na cidade de Juiz de Fora, com a anuência do poder público local, decisão que contou, inclusive, com a participação de representantes da PJF favoráveis à implantação de empreendimentos imobiliários nesses locais que deveriam ser considerados patrimônios. E o que esses empreendimentos darão de retorno à cidade? Para a PJF trarão impostos e a oportunidade de mostrar à população que empregos estão sendo gerados. Porém o preço da decisão da venda do estádio virá a médio e longo prazos. Como na maioria das cidades brasileiras, o planejamento urbano não é um artigo cumprido e levado a sério pelos gestores, mais adiante é que se pensará nos vários impactos socioambientais gerados: dificuldade ainda maior de mobilidade urbana com mais carros circulando; produção de mais resíduos sólidos e geração de esgoto a partir de um maior adensamento demográfico; maior demanda por escolas e saúde; crescimento da violência urbana, criação de áreas mais impermeabilizadas e inundações cada vez mais constantes e qualidade de vida cada vez mais comprometida. E, assim, mais a cidade se torna verticalizada e torres se erguem em prol de um “progresso” desejado. Por que precisaríamos nos preocupar? Por que o Geógrafo tem que se preocupar com uma paisagem cada vez mais árida, sem a presença dos corpos hídricos, enterrados em canos e nos concretos? Por que tanta implicância com esse modelo de civilização que nós mesmos escolhemos? Por que nos preocuparmos tanto com clubes locais centenários que já estão afastados da atual ordem econômica? Quanto atraso e nostalgia desses que buscam se apegar ao passado...
Ah, só para terminar. Recentemente, um icônico torcedor do Tupi faleceu, o saudoso Ângela Maria. Foi se apagando aos poucos, como o próprio Tupi. Ângela foi sempre um transgressor, ainda mais para a década de 1980, em que a homossexualidade era tratada como doença. Fui ao seu velório e percebi um silêncio ensurdecedor e isso não combinou em nada com Ângela, que sozinho tinha a potência de uns 300 torcedores. Se eu explicar para meu filho de 12 anos quem foi Ângela, ele nunca conseguirá entender. Se ainda eu me atrever e tentar detalhar qual era a atmosfera de um jogo no campo do Tupi no fim da década de 1980, a missão se tornará ainda mais difícil. Como é bom ser prova viva e testemunhar fatos que já ocorreram! Cada momento é único. Nunca nos esqueçamos disso.
Ciro de Sousa Vale (novembro/2022)
Agora partiu ver os materiais que o professor Ciro mencionou. Comecemos pelo documentário.
“O Galo Cantou — A História do Tupi Foot Ball Club”
Episódio 1 - Do Pântano à Glória
Episódio 2 - O Fantasma do Mineirão
Episódio 3 - A Chama Viva da Esperança
O Fantasma do Mineirão
Bora conferir a HQ? Primeiro vamos ao texto de apresentação:
"O Tupi Foot Ball Club é uma das agremiações esportivas mais importantes do futebol mineiro. Dentre outros feitos, ele se destacou, no ano de 1966, por vencer alguns amistosos contra os times da capital: Atlético, Cruzeiro e América. Colecionando vitórias, reconhecimento e afeto, o Tupi tornou-se peça importante na construção da identidade juiz-forana. Por isso, intentamos, com esta HQ, reconhecer um período dessa história tão relevante. Nosso propósito é que esta HQ, elaborada pelos alunos do Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais - campus Juiz de Fora, se torne uma poderosa ferramenta de conservação da memória local e de incentivo à valorização de pertencimento dos cidadãos juiz-foranos". (Equipe da HQ O Fantasma do Mineirão).
Agora é só clicar na imagem abaixo e folhear as páginas que contam a história do Tupi:
Veja também a reportagem do Tribuna de Minas sobre O Fantasma do Mineirão
O meu lugar é caminho de Ogum e Iansã
Sobre o conceito de lugar mencionado pelo professor, selecionamos alguns artigos e uma música:
O conceito de lugar na geografia cultural-humanista: uma contribuição para a geografia contemporânea
A respeito de aspectos sobre a geografia urbana, relembramos estas duas edições:
Sobre recursos hídricos e as sociedades urbanas, destacamos o número abaixo:
E para continuar o bate-papo sobre futebol, a dica é essa edição aqui:
3 minutos de acréscimos:
Já que o jogo foi em Juiz de Fora, nesse tempinho adicional resgatamos informações que já publicamos sobre a cidade:
Lá, em parceria com a prefeitura e a UFJF, está sendo realizado o “Censo e Diagnóstico da População Adulta em Situação de Rua de Juiz de Fora”. Trata-se de ação fundamental, uma vez que o “Brasil tem "boom" de população de rua, que segue invisível”.
Em Juiz de Fora, no dia 25 de Julho, é comemorado o Dia Municipal da Mulher Negra Cirene Candanda. Trata-se de uma data que homenageia a “cidadã benemérita juiz-forana, reconhecida por sua luta contra a discriminação da raça negra. Seu trabalho está vinculado aos movimentos populares sociais e à área da saúde no município” (Fonte: Prefeitura de Juiz de Fora).
A data nos leva ao dia 25 de julho de 1992, em Santo Domingo (República Dominicana), quando ocorreu o 1º encontro de Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas e, desde então, é comemorado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha.
Foto: Tereza de Benguela
No Brasil, a Lei 12.987/2014 estabelece que na data é celebrado também o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Tereza foi líder do Quilombo Quariterê (fronteira do Mato Grosso com a Bolívia) e, “por 20 anos, liderou a resistência contra o governo escravista e coordenou as atividades econômicas e políticas do Quilombo. Tereza era de tal importância e magnitude que todos a tinham por “Rainha Tereza”.
Seguindo na cidade juizforana destacamos dois links extraídos da Saravá, referências pretas!:
Atenas, Barcelona, Manchester… Como os negros foram omitidos da história de Juiz de Fora?
“Juiz de Fora, monumento da branquitude ‘redentora’ e outras cidades numa”
É isso! Fim da partida.
Obrigado por nos acompanhar até aqui. Se puder, nos ajude, por favor, a espalhar Notícias do Espaço : )
Créditos:
Pesquisa, curadoria, desenvolvimento e redação: Maria Phernanda da Silva Soares e Higor Mozart G. Santos
Texto sobre o Tupi Foot Ball Club: Ciro de Sousa Vale
Coordenação: Higor Mozart G. Santos
Financiamento: Programa Institucional de Apoio à Extensão (PIAEX) do Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais (Edital 01/2022) | Projeto “Além dos Pares: a Pesquisa na Sala de Aula”.
Imagem do Astronauta: Freepik
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